Meu Diário de bordo: Comissária, "cê" tá brava?
- Aero Latina
- 29 de out.
- 3 min de leitura

Um dia desses, durante o serviço de bordo, um passageiro me perguntou baixinho:
— Comissária, “cê” tá brava?
Imediatamente fiz uma revisão silenciosa e pensei: “Tirando o fato de que eu incorporo outra personalidade no trabalho, fico mais séria, estava com dor de dente e ainda com alguns pontos internos na barriga...” — e respondi com um sorriso:
— Não, senhor. Posso ajudar com algo?
Ele sorriu de volta e explicou que, durante a decolagem, percebeu que eu estava muito séria, não conversava com o comissário ao lado e não expressava nenhum tipo de emoção. Foi então que entendi o que ele queria dizer.
Estávamos decolando em um Airbus A320, modelo de 174 lugares, que exige quatro comissários a bordo: dois sentados na galley dianteira, de frente para os passageiros, e dois na galley traseira, de costas para o nariz da aeronave. Existem várias configurações de assentos e posições de comissários, mas vou focar neste modelo específico em que eu estava.
Nessa aeronave há um anteparo que separa a galley dianteira da primeira fileira de assentos. Nele, há um vidro que, antes da decolagem e do pouso, pode ser “ligado” ou “desligado”, permitindo ou não a visão da cabine de passageiros. Isso é fundamental para que possamos alertar tanto os pilotos quanto os passageiros sobre qualquer intercorrência durante essas fases — as mais críticas do voo.
O chamado “Smart Glass” funciona por meio de um sistema elétrico que altera a opacidade do vidro. Quando está ligado, o vidro fica translúcido, permitindo a visão de todo o avião; quando desligado, torna-se opaco, garantindo privacidade.
Mas voltando ao silêncio e à seriedade durante pousos e decolagens: a explicação para isso é que estamos realizando o chamado “Silent Review”, uma revisão mental de diversos procedimentos de segurança que nos ajudará a agir rapidamente em caso de emergência.
É um momento em que precisamos focar, reduzir distrações e ficar atentos a barulhos, comandos dos pilotos, luzes e até cheiros, já que estamos nas fases mais críticas do voo — inclusive durante o taxiamento da aeronave, entrando ou saindo da pista principal.
Caso ocorra uma rejeição de decolagem, um impacto com pássaros ou um princípio de incêndio, precisamos reagir rapidamente e tomar as ações necessárias para evitar algo mais grave.
Nesse momento, revisamos mentalmente:
o tipo de aeronave em que estamos;
o número e a localização das saídas de emergência;
os comandos de voz que podemos receber dos pilotos;
as instruções que devemos transmitir aos passageiros;
as condições meteorológicas e o tipo de terreno ao redor da pista.
Por exemplo: no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, as duas cabeceiras terminam na Baía de Guanabara. Já em Congonhas, em São Paulo, temos o bairro de Moema de um lado e o Jabaquara do outro. Ou seja, precisamos sempre relembrar os procedimentos de pouso de emergência para diferentes terrenos e garantir que estejamos prontos para auxiliar tanto os passageiros quanto os pilotos.
Afinal, somos os olhos e os ouvidos da cabine de comando. Portanto, quando perceber que a tripulação do seu voo está séria e concentrada, já saberá o que se passa na mente deles.
Se gostou deste diário ou tem curiosidade em saber mais sobre as ações da tripulação, me envie um e-mail:📩 wil.aerolatina@gmail.com Grande abraço e até a próxima!







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